No DF, indígenas e autoridades reverenciam memória indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips
Evento foi marcado também por críticas ao projeto do Marco Temporal
O cântico Wahanararai tomou o espaço de emoção. Os versos entoados ficaram conhecidos pela gravação do indigenista Bruno Pereira, assassinado há um ano no Vale do Javari. O jornalista britânico Dom Phillips também foi morto naquele 5 de junho de 2022.
Nesta segunda (5), no espaço conhecido como “Maloca”, na Universidade de Brasília (UnB), representantes indígenas e não indígenas e autoridades do governo federal homenagearam e reverenciaram Bruno e Dom e trataram de providências para melhorar a segurança no Vale do Javari. O evento também trouxe críticas à tese do Marco Temporal, em discussão no Legislativo e no Judiciário.
A antropóloga Beatriz Matos, viúva de Bruno Pereira, emocionada, recordou que após o assassinato, o sentimento foi de desespero. “Como é que vamos ficar aqui nesse país?”. Depois, refez o olhar.
Brasília (DF), 05/06/2023 – Beatriz de Almeida Matos, mulher do indigenista Bruno Pereira, durante homenagem para lembrar um ano da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Foto Valter Campanato/Agência Brasil. – Valter Campanato/Agência Brasil
Ela disse que, atualmente, o Brasil tem buscado uma política nacional de enfrentamento ao tráfico de drogas em parceria com as lideranças indígenas. “Eles têm ajudado a elaborar e a pensar novas políticas. Isso era inimaginável antes”, afirmou.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, esteve na Maloca e recordou que, desde a juventude, acompanhou histórias de mortes na Amazônia. Depois lembrou de Chico Mendes, morto em 1988; da freira Dorothy Stang, assassinada em 2005; e de Maxciel Pereira, servidor da Funai, morto em 2019, antes de Bruno e Dom.
“É fundamental a homenagem que está sendo feita aqui à memória do Dom e do Bruno. É como se tivéssemos pagando um tributo por todos aqueles que defenderam a Amazônia, os povos originários e o meio ambiente brasileiro com sacrifício de suas próprias vidas”. Ela defende que se deve haver um compromisso para que todo esse sacrifício não seja em vão e, por isso, não pode ser esquecido.
A ministra alertou sobre o impacto que pode haver com a aprovação do Marco Temporal. “Hoje, temos conhecimento científico que dão conta de que 80% das florestas protegidas estão sob o domínio das populações indígenas e tradicionais. São os maiores defensores das nossas florestas e da nossa biodiversidade”.
O Projeto de Lei 490/07 trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Se aprovado, os povos indígenas e tradicionais terão direito somente às terras que ocuparam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O texto foi aprovado na Câmara no fim de maio e seguiu para apreciação do Senado.
Marina citou que o desmatamento dentro das terras indígenas é apenas de 1%. “Um modo de vida altamente avançado e sofisticado para proteger aquilo que é essencial para a manutenção dos serviços ecossistêmicos do planeta”.
A presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joênia Wapichana, garante que o governo tem buscado fortalecer os processos para demarcação de terras, além de tentar ampliar os recursos.
“É preciso investimento financeiro e de recursos humanos. A Funai tem um quadro sucateado depois desses anos anteriores de desmonte da política indigenista. São poucos servidores. Nós estamos numa fase de elaboração do edital, de planejamento para concurso público”.
Ela entende que o momento é de dar resposta à sociedade. “O Bruno (que foi funcionário da Funai) disse que não estava conseguindo cumprir a missão da instituição. Isso não pode ocorrer”.
O indígena Gílson Mayuruna recordou as músicas, como o cântico Wahanararai, e as lembranças com o amigo Bruno Pereira. Ele mora em Atalaia do Norte (AM). Em Brasília, ele explicou que serão entregues documentos, nesta semana, às autoridades dos Três Poderes com a situação na região.
“O Bruno cantava para celebrar a união e a natureza. Sentimos muito a falta dele. O fato é que ainda somos muito ameaçados. É verdade que ele pensava que poderia morrer. Mas era tomado de coragem ”. Gilson recorda que o último encontro deles foi uma semana antes de ele e o jornalista desaparecerem. “Como ele, temos muita coragem e estamos pedindo proteção”, afirmou.
Fonte: Agência Brasil